sexta-feira, 1 de junho de 2012



Entrevista

Comportamento narcisista pode explicar o apego ao poder

De acordo com o psiquiatra americano Jerrold Post, presidentes como Kadafi, Mugabe e Gbagbo criam uma percepção irreal de sua liderança

Gabriela Loureiro
Chaveiros de Muamar Kadafi à venda em Trípoli: exemplo de personalidade narcisista
Chaveiros de Muamar Kadafi à venda em Trípoli: exemplo de personalidade narcisista (Joseph Eid)
"Os presidentes podem ficar sem contato com a realidade política se eles estão reagindo muito negativamente a qualquer um que tenta fazer uma crítica construtiva", diz Jerrold Post
Em tempos de revoltas e conflitos contra ditaduras vitalícias na África e no Oriente Médio, fica no ar a pergunta: como é possível um presidente se recusar a sair do poder mesmo com o mundo inteiro contra ele? Como um “líder” consegue ignorar as mazelas da população e ainda promover massacres contra civis? Segundo o psiquiatra Jerrold Post, professor de psicologia política na Universidade George Washington e fundador da unidade de análise de personalidade e comportamento político da Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA), a atmosfera inebriante do poder pode criar líderes patologicamente narcisistas que perdem a noção da realidade.
Divulgação
Jerrold Post dedicou sua carreira à psicologia política
Jerrold Post dedicou sua carreira à psicologia política
Durante muitos anos, Post coordenou o setor da CIA que faz avaliações de líderes estrangeiros para o presidente e outros oficiais do alto-escalão da diplomacia americana a fim de preparar reuniões, negociações e resolver situações de crise. Ele já traçou perfis de personalidades como Saddam Hussein e Bill Clinton. Entre seus últimos livros lançados estão A mente do terrorista: a psicologia do terrorismo do IRA a Al Qaeda(2008) e Líderes e seus seguidores em um mundo perigoso: a psicologia do comportamento político (2004). Atualmente, ele está escrevendo um livro sobre narcisismo e política, Sonhos de glória, que deve ser lançado no próximo ano.

Líderes políticos geralmente são narcisistas? Bem, a primeira frase do livro que estou escrevendo agora é: “Se alguém fosse tirar dos postos de líderes políticos todos aqueles com características significativas de personalidade narcisista, os postos seriam perigosamente empobrecidos”. Ou seja, certamente, muitos deles são. Alguns têm uma personalidade meramente autoritária, porque eles saíram do Exército e esperam submissão. Há um narcisismo saudável, em que uma pessoa tem fé e grande confiança em suas habilidades e ambições. Quando você junta isso com oportunidade, contribui para a liderança. Mas quando o narcisismo é patológico, ou nocivo, se torna bastante perigoso.

O que caracteriza o narcisismo nocivo, ou patológico?
 O narcisista patológico está tão envolvido com sua própria proeminência que não tem empatia com a dor e o sofrimento alheio. Ele culpa os outros pelo que está lhe acontecendo, ao invés de ver sua própria responsabilidade. Ele não tem muita consciência: está pronto para combater aqueles que se opõem a ele, inclusive civis inocentes, e usar o que for necessário para tanto. Parte disso tem a ver com o fato de estar no poder em um regime que reflete a essência do líder. E não é fácil sair disso. A pessoa fica cada vez mais circunscrita em seu próprio mundo, sem conseguir prestar atenção em grande parte da população.
Como um presidente democrático pode se tornar um narcisista patológico? Este é o caso de Robert Mugabe, presidente do Zimbábue. Ele era visto como um criador da nação, tinha uma reputação heróica. Mas há algo de inebriante na atmosfera do poder. É preciso levar em consideração quem são as pessoas que estão em volta do líder. No caso de Saddam Hussein, por exemplo, seu círculo interno aprendeu muito cedo que tinha que falar aquilo que ele queria ouvir, ao invés daquilo que ele precisava ouvir. Quem lhe fazia críticas construtivas perdia o emprego, ou mesmo a vida. Devido a essa sua reação tão negativa a críticas, o líder acaba perdendo o contato com a sua realidade política, a partir do momento em que todos ao seu redor passam a idolatrar cada palavra e ação sua. Ele de fato acredita no quão maravilhosos seus julgamentos e sua liderança são, mesmo quando uma grande parcela da população se opõe ao seu governo.

Então, o narcisista patológico tem total segurança e ilusão de que suas ações são as melhores possíveis? Por baixo daquela arrogância e controle exterior, existe uma insegurança frágil e uma prontidão para suspeitar de inimigos. Existem bons exemplos disso, como o caso de Kadafi, que criou ao longo dos anos uma imensa rede de espionagem em meio à população. Isso cria um ambiente viciado, onde as pessoas não confiam umas nas outras, já que seu próprio vizinho pode ser um informante do governo. No Brasil e nos Estados Unidos, as pessoas podem ir ao bar e falar de seu descontentamento político sem medo de ir para a cadeia. Isso não acontece na Líbia ou na Costa do Marfim.

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